Por
constar em todos os livros didáticos de todas as áreas do conhecimento, o texto
expositivo é frequentemente utilizado por professores e alunos. No dia-a-dia
escolar, dentro da escola ou fora dela, os alunos estudam os conteúdos das
disciplinas lendo textos e fazendo exercícios do livro didático. Sabemos da
função importante desses livros como base científica para auxiliar na
interpretação dos textos multidisciplinares como os das revistas e dos jornais
(KLEIMAN, 2002, p. 71), mas eles não podem ser a única fonte de estudo do aluno
nem a do professor para transmitir e construir saberes. Se a interdisciplinaridade
é característica essencial do conhecimento, é fundamental trabalhar os temas
usando e comparando diferentes fontes, inserindo outros textos e suportes
–
jornais, revistas, fitas gravadas, vídeos, textos da Internet, outros livros –
no cotidiano escolar. Um texto puxa outro, na busca incessante do conhecimento.
Há
muitas maneiras de abordar um texto expositivo, e isso vai depender,
principalmente, dos objetivos da leitura. Se o aluno tem de buscar informações,
você pode propor um roteiro de questões. Se o objetivo é estudar o texto, um
resumo pode ser uma atividade muito eficaz. O esquema é ótimo para usar em
seminários. O importante é deixar claro que o texto didático funciona como
ponto de partida para a leitura de outros textos. Ele não esgota um assunto, ao
contrário, geralmente tem muitas limitações. Essa postura crítica diante dos
textos do livro didático é saudável e tem de ser incentivada. Assim, é
necessário pensar formas significativas de abordagens. Temos de pensar
atividades que façam o aluno interagir de fato com o texto, indo além da
simples memorização de fatos (muitas vezes, desconexos) e das respostas aos
questionários algumas vezes mal formulados.
Um
modo de abordar o texto expositivo: ler para estudar
Entre
as várias possibilidades de leitura, a de estudo e trabalho é a que mais exige
disciplina e organização. Estudar de um modo geral significa saber aplicar estratégias.
É incrível, mas os alunos passam pela escola sem que alguém os ensine como se
estuda. Raros são os professores que se preocupam com essa questão. Raríssimos
são os que ensinam o aluno a tomar notas, a produzir roteiros, a fazer fichamentos
e resumos. Curiosamente, no entanto, essas são tarefas muito solicitadas no
dia-a-dia escolar. O texto que leremos a seguir, “O trabalho dos lexicógrafos”,
é expositivo. A abordagem que propomos servirá para trabalhar um modo de
leitura: ler para estudar. Vale lembrar que, para exercitar esse modo, o aluno
precisa saber fazer marcas no texto, comentários de margem, recortes e seleção
de fragmentos, esquemas, resumos, tabelas e quadros.
Objetivos
da leitura
• Ler
um texto em profundidade.
•
Aprender a fazer resumos.
Antes
da leitura
•
Antes de iniciar a leitura de um texto expositivo, é importante fazer perguntas
aos alunos sobre o tema de que se vai tratar. No caso do texto que leremos, é fundamental
saber se eles têm o hábito de consultar o dicionário; em que momentos costumam
fazê-lo; se costumam consultá-lo para saber a grafia correta da palavra; se têm
idéia de quantas palavras há em um dicionário grande; se sabem da existência de
tipos de dicionários etc.
•
Depois dessa conversa inicial, você pode apresentar aos alunos o título do
texto que vai ser lido. Será que alguém sabe o significado da palavra
“lexicógrafo”?
Sem
saber esse significado, é possível antecipar alguma idéia do texto?
•
Consultando o dicionário, os alunos saberão que lexicógrafo é autor de
dicionário, dicionarista. Depois de entenderem o sentido, vai ser possível
criar expectativas e iniciar a leitura silenciosa.
“O
trabalho dos lexicógrafos
Os
dicionários contribuem de várias maneiras para fixar a língua: por um lado,
eles são referência para a ortografia das palavras – um problema que se tornou
inescapável desde que os dicionários optaram pela ordem alfabética (a ordem
alfabética, lembre-se, é apenas um dos princípios que podem ser usados para
organizar a macroestrutura de um dicionário, e esse princípio começou a ser
utilizado relativamente tarde); por outro lado, eles têm funcionado como uma
espécie de registro civil de todas as palavras; a publicação de um bom
dicionário sempre desperta as reações de críticos que apontam erros e lacunas,
mas também provoca no público-leitor outra reação, que é em última análise de adesão
– a de não usar palavras que não tenham sido dicionarizadas: muitos
profissionais da linguagem, ao invés de usar um neologismo mais apropriado,
optam sistematicamente por uma expressão menos adequada, mas antiga e
registrada no dicionário. Outro fator de normalização, no dicionário, é a
prática da abonação. Ao longo do tempo, os dicionários foram fixando o
hábito de associar às várias acepções de cada palavra um ou mais exemplos.
Independentemente de serem fabricadas pelo próprio dicionarista, recolhidas em
escritores ou encontradas no uso corrente da língua, essas abonações consagram
os usos a que se referem e fornecem modelos de construção sintática. A história
da lexicologia do português é longa e rica e mostra uma participação notável de
autores brasileiros. Como seria de esperar, dadas as condições culturais do Brasil-Colônia
(onde era proibido o funcionamento de tipografias), os primeiros trabalhos de
lexicografia do português – o Dicionário português e latino (1712-1728),
do padre Rafael Bluteau, o Dicionário (1789), de António de Morais e
Silva, o Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal
antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram (1789), de Souza
Viterbo, e o Novo dicionário crítico e etimológico (1836), de Constâncio
– foram todos publicados na Europa. Contudo, António de Morais e Silva, cuja
obra (2. ed. 1813) colocou a lexicologia portuguesa em sintonia com a melhor
lexicologia da época, era brasileiro. No século XIX, os intelectuais
brasileiros tiveram freqüentemente a preocupação de colecionar brasileirismos,
para complementar os dicionários portugueses existentes; é esse o caso do Vocabulário
brasileiro para servir de complemento aos dicionários da língua portuguesa,
de Brás da Costa Rubim (1853), e do Dicionário de brasileirismos, de
Rodolfo Garcia (1915). Os primeiros dicionários ‘completos’ do português brasileiro
só apareceram por volta de 1950. Pertencem a esse período, entre outros, o Dicionário
básico do português do Brasil (1949), de Antenor Nascentes, preparado inicialmente
para servir de minuta do futuro Dicionário da Academia Brasileira de Letras (que
nunca chegou a ser publicado), e o Pequeno dicionário brasileiro da língua portuguesa,
que teve várias edições e que, a partir da 11ª, de 1972, passou a contar com a
supervisão de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Autor de duas edições do Novo
dicionário da língua portuguesa (1975 e 1986), Aurélio Buarque de Holanda tornou-se
tão célebre como dicionarista que seu prenome passou a ser sinônimo de ‘dicionário’
(procure no ‘aurélio’ ou procure num ‘aurélio’). Os grandes dicionários de
referência para o português do Brasil são hoje três: o Novo Aurélio do
século xxi (2000), o Dicionário Houaiss da língua portuguesa (2001)
e o Dicionário de usos do português do Brasil (2002), de Francisco da
Silva Borba (mais conhecido pela sigla dup). Trata-se de obras
diferentes, não só por suas dimensões e complexidade, mas também por sua
concepção. O Houaiss e o Novo Aurélio do século xxi são obras de
filólogos, e sua preocupação é registrar o vocabulário do português brasileiro
em toda a sua riqueza – considerando em um mesmo pé de igualdade os usos mais
antigos e os mais recentes, os mais freqüentes e os mais raros. Além de dar as
informações usuais (classe gramatical, sentido, sinônimos etc.), esses dicionários
procuram reconstituir a história das palavras e atestar suas ocorrências mais
antigas, tornando-se assim instrumentos de utilidade nos estudos históricos ou etimológicos.
Ao contrário, o dup preocupa-se em ser uma imagem da língua viva de hoje.
Contra os 228.500 verbetes do Houaiss e os 160 mil do Aurélio, o dup
apresenta um total de ‘apenas’ 62.800; mas todas as palavras que ele traz
são de uso frequente (e atestado) nas últimas décadas. É a isso que o autor, o
lingüista Francisco da Silva quis referir-se ao intitular essa obra ‘dicionário
de usos’. Existe, evidentemente, em Portugal, toda uma tradição lexicográfica
autenticamente portuguesa, que foi magistralmente descrita em Vedelho (1994);
aos estudantes e estudiosos brasileiros interessa conhecer pelo menos o Dicionário
da língua portuguesa contemporânea, publicado em 2001 pela Academia das
Ciências de Lisboa.”
(BASSO
e ILARI, 2006, p. 203-5.)
Durante
a leitura
•
Quando os alunos terminarem de ler, recomendamos fazer uma leitura
compartilhada, para esclarecer passagens difíceis e construir o sentido global
do texto.
No
primeiro e no segundo parágrafos, por exemplo, os autores apresentam três maneiras
de o dicionário fixar a língua: referência para a ortografia das palavras, registro
civil de todas palavras, prática da abonação. É fundamental associar essas maneiras
apresentadas ao uso que os alunos fazem do dicionário. Pergunte à turma o que
entendem por “fixar a língua”?
• Peça
aos alunos que observem, no primeiro parágrafo, o uso do travessão e dos parênteses.
É importante que percebam que os autores lançaram mão desses recursos para
inserir informações que consideram relevantes, que completam a idéia: os
dicionários “são referência para a ortografia das palavras”. Repare que a
informação que vem separada pelo travessão tem ênfase maior do que a que vem
entre os parênteses. Faça o exercício de ler o parágrafo omitindo primeiro o
que vem entre parênteses; depois o que vem destacado pelo travessão e pelos parênteses.
Depois dessa leitura, os alunos perceberão que a idéia principal continua
intacta.
• Além
de “lexicógrafo”, há outras palavras-chave que precisam ser investigadas, de
preferência com o uso do dicionário: abonação, filólogos, neologismos,
lexicologia.
• Os
parágrafos 3 e 4 apresentam um relato histórico da lexicologia do português.
É
importante contar aos alunos o valor que têm os dicionários antigos. Como a acepção
das palavras vai mudando, consultá-los é a melhor maneira de resgatar os
significados em poemas barrocos e renascentistas. Isso nos coloca mais próximos
dos autores antigos. Observe também o uso do travessão no parágrafo 3.
•
Outra informação interessante que merece ser destacada refere-se ao dicionário de
Aurélio Buarque de Holanda. Os alunos vão gostar de saber por que “aurélio” é
sinônimo de dicionário.
• Os
últimos parágrafos trazem várias informações interessantes, que podem ser destacadas:
quais os dicionários de referência para o português do Brasil; acentuar a
diferença entre eles; o número de verbetes de cada dicionário.
Depois
da leitura
•
Várias atividades poderiam ser realizadas depois da leitura. Por meio de
perguntas, você poderia aprofundar a leitura do texto. Na segunda linha do
primeiro parágrafo, lemos: “eles são referência para a ortografia das palavras
– um problema que se tornou inescapável...”. Também no primeiro
parágrafo: “muitos profissionais da linguagem, ao invés de usar um neologismo
mais apropriado, optam sistematicamente por uma expressão menos adequada, mas
antiga e registrada no dicionário”. O dicionário pode ser um problema? Pode
conter erros e lacunas? O autor deixa transparecer sua opinião?
•
Também é possível trabalhar os processos de formação de palavras. No texto encontramos:
“lexicógrafos”, “lexicologia”, “lexicográfica”. Qual a diferença de sentidos
entre essas palavras? Qual a raiz delas? Etc.
• O
texto também poderia ser resumido. O resumo tem de apresentar os pontos essenciais,
mantendo fidelidade ao pensamento do autor. Para elaborá-lo é fundamental que
os alunos tenham idéia do conteúdo global do texto. “O trabalho dos
lexicógrafos” tem 7 parágrafos. Peça aos alunos que numerem os parágrafos e
ajude-os a perceber que o texto pode ser dividido em três partes: a primeira, parágrafos
1 e 2; a segunda, parágrafos 3 e 4; a terceira, parágrafos 5, 6 e 7. Cada parte
agrupa um tipo de informação. A primeira mostra as maneiras como os dicionários
fixam as línguas; a segunda conta como foi a história dos primeiros dicionários
de referência para o português do Brasil; a terceira parte trata dos
dicionários de referência para o português do Brasil de hoje. Essa é a maneira
como o autor estruturou o texto, essa será a maneira como o aluno estruturará o
resumo. Você pode sugerir que ele comece assim: O texto “O trabalho dos
lexicógrafos”, de Rodolfo Ilari e Renato Basso, trata [o aluno poderia
completar: de dicionários e dicionaristas]. Ele pode ser dividido em três
partes. Na primeira (parágrafos 1 e 2), os autores apresentam três motivos para
os dicionários “fixarem a língua”: [os alunos poderiam completar
transcrevendo do texto os três motivos: a) são referência para a ortografia das
palavras, b) funcionam como uma espécie de registro civil de todas as palavras
e c) praticam a abonação (hábito de associar às várias acepções de cada palavra
um ou mais exemplos]. Na segunda parte, os autores apresentam uma curta
história da lexicologia do português, destacando [os alunos poderiam
completar: a participação de autores brasileiros]. Além dos títulos dos
primeiros trabalhos de lexicografia, os autores afirmam que somente no século
XIX [os alunos poderiam completar: os brasileirismos passaram a
complementar os dicionários portugueses existentes]. Em 1950 [os alunos
completariam: apareceram os primeiros dicionários “completos” do português
brasileiro]. Em 1972... Assim por diante. É possível montar a estrutura
do resumo fazendo os alunos retirarem as informações essenciais do texto.
• Dessa
forma, você mostra aos estudantes como construir um modelo de resumo. A mesma
estratégia pode ser repetida com outros textos expositivos. Pouco a pouco o
aluno ficará confiante e não precisará mais de modelos para resumir textos